Introdução os Primórdios da Dedetização

Além de bastante intuitivo, parece um tanto óbvio que desde sempre os seres humanos mantém uma relação ou de asco, ou de aversão, ou de medo com boa parte dos insetos e com alguns animais vertebrados. Não é forçoso pensar que o reino animal faz aflorar fortemente instintos básicos humanos. Não por acaso, algumas pessoas gritam com o voo da barata ou se aterrorizam com o latido de cães raivosos.

EXÔDO – AS DEZ PRAGAS DO EGITO
Ao longo da História, podemos ler relatos que remetem diretamente à relação “Homem versus Natureza”. Uma ocorrência comum na mente do mundo ocidental quando se fala de pragas são as Pragas do Egito, relatadas no Antigo Testamento. Segundo o relato bíblico, as dez pragas do Egito foram dez calamidades utilizadas para libertar da escravidão os israelitas ou hebreus. Esses se encontravam sob o jugo do Faraó.1

No livro de Êxodo, encontramos a seguinte passagem:

Estes são Arão e Moisés, aos quais o Senhor disse: “Tirai os filhos de Israel da terra do Egito, segundo os seus exércitos.”

Estes são os que falaram a Faraó, rei do Egito, para que tirasse do Egito os filhos de Israel; estes são Moisés e Arão. E aconteceu que naquele dia, quando o Senhor falou a Moisés na terra do Egito, ele o fez nesses termos: “Eu sou o Senhor; repete ao Faraó, rei do Egito, tudo o que te digo.”

Êxodo 6:26-29

Importante ressaltar que Arão/Aarão2 e Moisés representavam o próprio Deus de Israel – aliás, o Deus cristão – na execução das calamidades que se abateram no reino do Faraó. Essa relação é importante porque mostra a importância e intensidade de como se percebiam alguns fenômenos mais ligados à natureza, mas que ganharam contornos mais dramáticos em função da mensagem de Deus. Assim, a ira de Deus, utilizando as dez pragas, foi sentida por meio de insetos, bichos ou agentes patogênicos.

Dentre as dez pragas lançadas contra o reino do Faraó, podemos citar seis que são as mais interessantes para entender o forjamento do conceito de “praga”. Essas seis pragas, de acordo com a cronologia que aparece no livro de Êxodo, são:

Segunda Praga – Infestação de rãs.

Terceira Praga – Infestação de mosquitos. Todavia, parece ser mais correto falar em infestação de piolhos.

Quarta Praga – Infestação de moscas.

Quinta Praga – O aparecimento generalizado de pestes nos animais, mais especificamente nos cavalos, jumentos, camelos, bois e ovelhas.

Sexta Praga – O aparecimento de úlceras no povo egípcio.

No texto bíblico está assim:

O senhor disse a Moisés e a Aarão:

“Tomai vossas duas mãos cheias de cinza do forno, e Moisés a lance para o céu diante dos olhos do faraó.

“E tornar-se-á em pó miúdo sobre toda a terra do Egito, e se tornará em sarna, que arrebente em úlceras, nos homens e no gado, por toda a terra do Egito.”

E eles tomaram a cinza do forno, e puseram-se diante de Faraó, e Moisés a espalhou para o céu; e tornou-se em sarna, que arrebentava em úlceras nos homens e no gado.

Êxodo 9:8-10

Oitava Praga – A infestação de gafanhotos.

Interessante notar que das dez pragas lançadas contra o Faraó, seis estavam relacionadas a seres vivos considerados indesejados, repugnantes ou patogênicos. A escolha de rãs, piolhos, moscas e gafanhotos mostra uma relação um tanto negativa com esses seres vivos, muito antes do aparecimento dos grandes centros urbanos. Talvez, a relação com as rãs, ou os anfíbios de forma mais geral, tenha melhorado um pouco com o passar dos milênios. Todavia, a nossa relação com insetos não parece ter mudado muito com relação ao tempo de Moisés. Pelo contrário, atualmente cultivamos quase que uma atitude bélica contra os insetos, por conta principalmente dos agentes patogênicos que os insetos podem portar.

Também, antes do lançamento da primeira praga, na primeira audiência com o Faraó, Arão jogou o seu cajado no chão e esse se transformou numa serpente. Assim, não parece ser por acaso, por exemplo, que a serpente – representando os animais peçonhentos – exerça um sentimento de medo e terror na mentalidade de muitas culturas humanas. Nas passagens bíblicas, invariavelmente, a figura da serpente é retratada negativamente.

O DEUS DA PESTILÊNCIA
Todavia, antes mesmo dos relatos bíblicos, há no mundo antigo uma menção à forte relação entre homens e insetos, embora a interpretação dessas fontes – escritas ou iconográficas – sejam mais complexas de interpretar.

Os antigos povos sumérios e babilônios3 possuíam no seu panteão de deuses o temido Deus da Pestilência, nomeado Nergal. Esse deus possuía duas asas semelhantes às asas de uma mosca, o que pode indicar a ideia desse inseto ser um agente nocivo à saúde. Nergal também estava relacionado à guerra e à morte, denotando pelo menos uma relação de desconforto com relação a essa divindade.

Por fim, não é incomum ligar Nergal à própria figura do demônio, ou a um agente de Satã, o principal inimigo do deus cristão. Para reforçar essa narrativa demonológica, é importante informar que o Deus da Pestilência comumente era associado ao fogo e também de comandar o submundo.

Os elementos simbólicos que rodeiam o Deus da Pestilência – moscas e fogo – estão constantemente associados ao demoníaco. Não por acaso, muitos filmes de terror utilizam a figura da mosca para anunciar algum espírito maligno ou algum acontecimento tenebroso.

1 Não se sabe ao certo quem foi o Faraó que sofreu com as dez pragas. Comumente, três nomes aparecem como candidatos históricos: Ramsés II, Amenhotep II, filho de Tutmés III o qual também poderia ter sido o Faraó relatado no livro de Êxodo. Todos eles viveram aproximadamente no século XVI a.C.

2 O leitor encontrará, nas mais diversas fontes, as duas grafias para o nome do irmão mais velho de Moisés.

3 Creio que o deus Nergal esteja mais relacionado à cultura suméria. Mas essa hipótese merece uma melhor investigação.

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