INTRODUÇÃO E UM PEQUENO ESCLARECIMENTO
Prezado leitor e prezada leitora,
espero que você esteja gostando das postagens sobre DEDETIZAÇÃO.
Antes de mais nada, eu peço mil desculpas por quebrar um pouco o ritmo da sua leitura. Resolvi fazê-lo porque creio que esse meu esclarecimento ajudará a apreciar mais profundamente o texto.
Este terceiro texto esbarrou em certas questões mais abstratas, ou, se você preferir, em questões mais filosóficas.
As perguntas centrais, e que tentarei responder ao longo das postagens, são as seguintes:
- Por que chamamos certos seres vivos de pragas?
- Como foi construído, simbolicamente falando, o termo “praga”?
Obviamente, essas duas questões estão umbilicalmente ligadas à História da Dedetização, tema esse que norteia o meu trabalho.
Perguntas tão grandes ou complexas como essas duas não são fáceis de responder. Pretendo apenas oferecer uma pequeníssima contribuição para esses temas. Mas, mesmo assim, a busca por respostas envolve não só um trabalho de pesquisa empírico – consulta de textos, livros, vídeos, iconografias… -, mas também exige certo nível de especulação.
No nível, digamos, filosófico uma das tentativas é ensaiar uma separação entre cultura e o que poderíamos chamar com certo cuidado de natureza humana. Tentando explicar melhor: subjaz sutilmente o esforço de mostrar como a ideia de praga possui tanto um pé fincado em densa e complexa tessitura cultural e um outro pé fincado na animalidade ou nos instintos naturais que todos nós possuímos.
Por conta dessas perguntas tão grandes, eu tive que fazer escolhas de alguns temas e deixar de fora alguns outros. Nesse sentido, escolhi três grandes eixos para encaminhar as minhas pesquisas. Esses eixos foram colocados no primeiro texto: controle de pragas, intervenção ambiental e saúde humana.
Mesmo tentando delimitar o material de pesquisa, visando ganhar mais foco, percebi que mesmo assim esses três eixos permitem a inserção de muitos, muitíssimos temas que esbarram, por exemplo, em questões religiosas – como percebido no Segundo Texto -, científicas, artísticas, culturais, psicológicas, sociais etc…
Ou seja, a história da dedetização, focando na construção do conceito de “praga”, é um belíssimo convite para entender parte da construção da civilização humana, com toda a sua beleza, mas também com muitas passagens medonhas.
INSTINTO NATURAL E CULTURA
Na postagem anterior, sobre as pragas do Egito e sobre o Deus da Pestilência, pode-se perceber que os povos antigos já possuíam certa relação de desconforto com insetos e alguns animais considerados feios ou sujos.
Parece óbvio que nós, humanos, temos algo em nossas naturezas instintivas que nos alertam contra algum “inimigo” externo que pode atentar contra a nossa integridade física e contra a nossa saúde. É complicado explicar devidamente esse mecanismo de sobrevivência – que costuma ser chamando de instinto de sobrevivência -, mas sabemos que ele está lá pronto para ser acionado.
Todavia, acredito firmemente que a nossa relação com o que tem sido considerado como “praga” ao longo da História possui também um forte viés cultural. Assim, quando os instintos de defesa humanos conseguem se acomodar bem num determinado tipo de tradição cultural ou costume, então daí há terreno favorável para brotar atitudes bélicas que parecem simplesmente serem inatas.
Ao longo da História Humana, pode-se perceber que os instintos humanos foram sendo reforçados por camadas e camadas de simbologias que reforçaram consideravelmente o medo que muitas pessoas nutrem por determinado animais.
MEDO, TERROR E MORTE
Na postagem anterior, você deve ter percebido que o termo “praga” está obviamente ligado a algo sinistro e também fortemente não desejável. Essas duas ideias facilmente vão desembocar no medo que temos da morte. Evidentemente, o tipo de morte que mais causa medo é o da morte violenta.
O medo da morte violenta é tão presente nas sociedades humanas que vários arranjos políticos, várias obras artísticas e mesmo boa parte das religiões, creio eu, são estruturadas levando em conta o medo não só da morte, como também da morte violenta. Não por acaso, Thomas Hobbes, famoso filósofo inglês do século XVI, baseou seu contrato social no medo psicológico da morte violenta.
A ameaça da morte violenta foi fartamente utilizada por soberanos antigos e mesmo por muitos líderes políticos nos dias atuais.
No mundo antigo, o mundo natural era muitas vezes percebido como um lugar de mistério e de personagens macabros que anunciavam uma morte atormentada. Nergal – o Deus da Pestilência, relatado na Segunda Postagem -, por exemplo, pode ser considerado o resultado desse tipo de mentalidade.
A ameaça da morte violenta foi fartamente utilizada por soberanos antigos e mesmo por muitos líderes políticos nos dias atuais.
Percebendo esse medo profundo da morte, muitos reis e líderes, geralmente visando algum tipo de ganho político, robusteceram esse medo, fortemente enraizado, a algum elemento brutal e terrífico. Basta lembrar que os romanos lançaram vários cristãos aos leões, ou ameaçavam os povos conquistados com torturas das mais diversas, visando justamente injetar o veneno do medo nos corações dos povos conquistados para, enfim, ganhar a aceitação com o uso do terror.
Assim, medo, terror e morte foram fartamente relacionadas e utilizadas politicamente, muitas vezes, de forma macabra. Para que essa tríade tivesse alguma força na mente dos súditos ou nos inimigos, foi necessário encontrar algum elemento facilmente perceptível o qual participasse comumente do cotidiano das gentes.
Esse elemento teria que estar associado a algum elemento da misteriosa natureza, esse elemento teria que estar associado a alguma praga…
Desse modo, o próximo texto – DEDETIZAÇÃO: POSTAGEM IV – começará a adentrar mais intensamente no tema MEDO, MORTE, TORTURA E PRAGAS.